Porto dos pequeninos
In O Jogo 23/01/09, Mónica Santos
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O Porto dos sobreviventes joga, domingo (15 horas), no Bessa. Como sempre sucede nestas coisas da grandeza humana, há o risco de passar despercebida a real dimensão do desafio. Porque os mais de dois mil adeptos que o Salgueiros renascido na II Divisão Distrital arrasta não terão expressão, nos 30 mil lugares cedidos pelo Boavista ao Ramaldense. Em vez de 350 em redor de um campo pelado, serão, estima-se, quatro a cinco mil, num palco europeu ameaçado pela miséria, denominador comum a estes clubes históricos do Porto, cujo maior risco é terem nascido em terrenos valiosos. A longa agonia do Salgueiros fê-lo despedir-se do património, em Vidal Pinheiro e Arca d'Água. Ao Boavista, não restam senão os terrenos do estádio, numa zona privilegiada da cidade. O pequenino campo do Ramaldense sofre do mesmo mal, a ganância pelo terreno que ocupa, na fronteira entre o Porto dos ricos e o dos pobres, que já manteve fechadas a cadeado, durante 16 meses, as portas que, para muitos são das raras que se abrem a momentos sadios, como correr atrás da bola. Ou lanchar.

Às vezes, os meninos do Ramaldense chegam para jogar de barriga vazia. Vêm do lado envergonhado do Porto, trazem o rótulo de ser de bairros sociais onde se deveria viver, mas, em demasiados casos, apenas se sobrevive, e cresce-se com uma revolta que, há meia dúzia de anos, transbordava, irremediavelmente. Onde iam, "havia porrada". Ser duro, alimentar essa fama, é uma forma de sobrevivência, mas, não a única, aprenderam no Ramaldense. "Hoje em dia, são tão bem comportados! Temos orgulho neles!", diz Carlos Alves, presidente que apostou na formação de base e, na próxima época, verá nascer a primeira equipa de juniores do projecto, que só então ficará completo: "Teremos todos os escalões". Tudo num rectângulo de 95x55metros de terra batida por histórias incríveis que o Porto cala ou ignora.Embora sejam os seniores quem faz do Ramaldense notícia, por estes dias, é nas camisolas mais pequenas que se encontra a identidade do emblema. No Salgueiros sabem que é assim: só as camadas jovens sobreviveram ao colapso, há meia dúzia de anos. Esta época, sob um novo emblema - as dívidas pendentes não permitem o tradicional -, o Salgueiros'08 recuperou o futebol sénior, já sem o campo de Vidal Pinheiro, sem casa própria, mas com milhares dispostos a acreditar na sobrevivência, o desafio que também marca os dias do Boavista, protagonista ausente da festa anunciada para a 18ª jornada de um campeonato que tem o Ramaldense no fundo da tabela e os salgueiristas obrigados a chegar ao topo, empurrados por assistências nunca vistas nos distritais do Porto, num trajecto que, como é tradição local, semeia alguma polémica à passagem.

Renato numa equipa do melhor Salgueiros
Do primeiro escalão directamente para o segundo dos distritais. Renato, 36 anos, ex-Leiria, voltou às origens, quando terminou a carreira profissional. Em fim de contrato, o mercado profissional dispensou-o, e o Salgueiros, onde se estreou como profissional, acenou-lhe. Três treinos por semanas dão-lhe para aguentar o jogo inteiro, atenuam a perda - "Senti bastante a mudança", admite - e deixam-lhe tempo para os negócios, dois restaurantes e uma tabacaria, e para a família, que, anteontem, pôde vê-lo trocar o treino pela celebração do aniversário, algo impensável, até há uns meses, no Leiria ou em qualquer dos outros clubes por onde passou e onde, ao contrário desde campeonato, o habitual era haver tudo à disposição dos jogadores. "Aqui, falta quase tudo", explica. Por vezes, até relva para jogar. Domingo, voltar ao Bessa, será "diferente", adjectivo que também usa para definir o apoio salgueirista.

Às 10 da noite na Senhora da Hora
Até há poucos meses, Renato tinha de estar em casa às 11 da noite, cumpridor do regulamento do Leiria. Agora, o Salgueiros'08 fá-lo regressar para lá da meia-noite, porque o treino, na Senhora da Hora, nos arredores do Porto, só começa às 22 horas. Todo o plantel entra em campo já com um dia de trabalho, e, esta semana, o treinador, o ex-futebolista Pedro Reis, não pode aparecer. O Salgueiros é tão amador como os demais, no campeonato em que joga para a subida.

Quem quer tramar o Ramaldense?
Até os jogadores do Atlético de Vilar diziam que não percebiam o que se estava a passar. À cautela, o treinador Pedro Chousal tirou três defesas - estavam amarelados e o rumo do jogo descontrolado. Na ronda anterior à recepção ao Salgueiros, o Ramaldense esteve a ganhar, mas, acabou goleado (6-1) e desfalcado. Cinco expulsões (vermelho directo), "duas delas justas", um golo de "penálti inexistente" e "três em fora-de-jogo" deixaram o treinador atónito. Foi "surreal", diz, e lembra o comentário atribuído ao árbitro, dirigido ao capitão de equipa: "Então vocês vão jogar com o Salgueiros e vêm para aqui reclamar durante o jogo?". Pedro Chousal, 27 anos, ex-jogador do clube, sabe que a sobrevivência do Ramaldense não se joga apenas no campeonato. O penúltimo lugar da tabela não traduz a "boa" equipa nem o "excelente balneário". Pelo contrário, garante. Só com esses predicados é possível resistir à convicção de que "há muito quem queira mal ao clube", que só "não desiste do campeonato" porque, reclama, "87 anos de história e mais de 100 miúdos das camadas jovens" merecem a resistência. Com o Salgueiros, estreará um guarda-redes. Os outros dois contam-se entre os expulsos.

Palco europeu para um jogo dos distritais
Dos 350 aos 30 mil lugares vai uma curta distância, na freguesia de Ramalde. São 10 minutos de caminho, a pé, do campo do Ramaldense até ao Estádio do Bessa, para onde foi transferido o jogo com o Salgueiros, da 18ª jornada da II Divisão distrital do Porto. No caminho, acertam-se contas de uma dívida axadrezada que, garantem os anfitriões à condição do Bessa, "é o que menos interessa". O que se quer é uma festa, a lembrar que o Salgueiros já andou pelos palcos principais do campeonato... onde também o Boavista já não mora. Enquanto a equipa de Rui Bento viaja para a Covilhã, para discutir a sobrevivência nos campeonatos profissionais, Ramalde fará a festa no Bessa, um relvado que só o salgueirista Renato conhece. Ainda na época passada lá jogou, pelo Leiria. Terminada a carreira, voltou às origens. No pelado, às vezes, mas, com mais espectadores.

Adaptação ao piso e ao espaço
O treino de ontem do Ramaldense foi transferido para o campo do Canidelo. Do outro lado do Douro, em Vila Nova de Gaia, não faltam infra-estruturas renovadas para os pequenos clubes, como o que é presidido pelo ex-salgueirista Abílio. Foi no Canidelo que, mais do que ao piso, a equipa se preparou para discutir o jogo num relvado um pedaço maior do que o caseiro. O palco cresce, mas o preço do espectáculo mantém-se: €3, e borla para os sócios do Ramaldense e do Boavista.
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3 Respostas
  1. The_Val Says:

    E lá estaremos nós para fazer a festa.

    Não fazia ideia que o Ramaldense irá jogar desfalcado. De certeza que não somos nós que lhe queremos mal nem que o andamos a tramar.


  2. SCSsempre Says:

    Porque e que o pedro esta semana nao pode ir aos treinos? vai estar no jogo?


    E vamos todos la para fazer a festa, e trazer os 3 pontos que e o mais importante


  3. JCQuerido Says:

    Antes de mais, temos que dar os Parabéns ao Ramaldense pela iniciativa de ter transferido o jogo para um Estádio, o que só dignificará os dois Clubes, independentemente do resultado.
    Não sei se endereçaram algum convite ao Dr. Rui Rio, mas acho que seria uma boa oportunidade de mostrar a esse Sr. que as pequenas Associações Desportivas ainda sobrevivem, mesmo sem o apoio da C.M.Porto, que é o contrario das Autarquias limítrofes, que tudo fazem para criar condições para a prática desportiva das Colectividades do Concelho e dignificar as respectivas Cidades.
    Termino, fazendo votos para que o Jogo seja uma Festa e todos saiam satisfeitos.


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