Felgueiras vs. Salgueiros. Regresso ao futuro
in i 25/01/12, Rui Pedro Silva

É domingo num dos concelhos mais conhecidos do país. O estádio está composto e o Felgueiras alinha com Zé Carlos, Rui Gregório, Acácio, Leal, Lopes da Silva, Erivonaldo, João, Clint, Vicente, Krstic e Lewis. O treinador é Jorge Jesus, esse mesmo. Do outro lado, Mário Reis responde com Pedro Espinha, Pedro Reis, Renato, Milovac, Zoran, Luís Manuel, Luís Carlos, Leão, Nandinho, Abílio e Basílio Almeida. Sim, como já percebeu, este domingo não é um domingo qualquer. Este domingo é a 4 de Fevereiro de 1996, a única vez que as duas equipas se defrontaram no Doutor Machado de Matos num jogo a contar para a primeira divisão. Agora tudo é diferente. O último domingo também não foi um domingo qualquer. As duas equipas voltaram a defrontar-se, mas para a Divisão de Honra do Porto. Ambos com 37 pontos e com o sonho de regressar aos campeonatos nacionais.
Faltam 90 minutos para o pontapé de saída mas o ambiente já é de jogo. Os adeptos começam a reunir-se mas as portas do estádio ainda estão fechadas. Os únicos que podem entrar são aqueles a quem Armindo Almeida Carvalho, 76 anos, desvia as barreiras. Passa um carro da direcção, passa outro da polícia, passa o autocarro do Salgueiros. Pelo meio, aquele homem de memórias vincadas partilha histórias. Saca de dois cartões de dirigente, um de 73/74 e outro mais recente, de 90/91, que lhe dava direito a assistir a todos os jogos do clube. Em casa e fora. Não são cartões ao acaso, são o primeiro e o último que teve, marcam o início e o fim da sua ligação como dirigente do Felgueiras. Recorda as difíceis deslocações dos anos 70 a Avites, ainda na segunda distrital, conta como foi contratar Jaime Graça (não o do Benfica e V. Setúbal) ao Rio Ave e dispara assim que lhe falam da época na I Divisão: “Era o Galinha Negra [Jorge Jesus] o treinador.” Porquê? Aí já não fala. Baixa-se, põe-se de cócoras e então sim, explica: “Estava o jogo inteiro assim.”
As memórias do Felgueiras primodivisionário não são para todos. Afinal já passaram 16 anos e os mais novos limitam-se a falar sobre aquilo que lhes contaram. Entre eles estão os três primeiros membros da claque a chegar, com tambores, fitas e um megafone. Fábio Bessa e Rui Pinto são os chefes, mas Bruno Ferreira também os acompanha. Em comum têm a idade: 17 anos. Em comum têm a paixão por um clube que viveu os tempos áureos numa era que não podem recordar. O que sabem então? “O que vamos vendo na internet, ou no livro que saiu”, explicam. De resto, falam de Sérgio Conceição, Fernando Meira e Pedro Mendes e daquele jogo em que o V. Guimarães jogou com o FC Porto ali mesmo. “Em casa estamos sempre com a equipa, fora só quando os jogos são aqui perto. Juntámos dinheiro para comprar material, mas a direcção também nos apoia muito. A claque tem mais de 60 e também temos o blogue do CAF [Clube Académico de Felgueiras]. Às vezes chega a ter mil visitas nas horas a seguir aos jogos, depois de pormos a reportagem e as fotos”, dizem.
PRECAUÇÃO As portas já abriram e ninguém entra no estádio sem ser revistado pela polícia. Armindo volta a entrar em cena: “É uma situação ocasional. Não costuma ser assim. Não é por ter medo, porque não temos medo de ninguém. Mas é um jogo especial.” Os primeiros comentários entre adeptos surgem: “Parece um jogo da primeira liga.” A polícia percebe que é um jogo especial e são destacados 15 membros em vez dos habituais cinco.
Na outra bancada, destinada ao Salgueiros, também já se entra. Um adepto fica para trás, ao que se diz por causa de uma bomba de inalação. Mas muitos mais são os que entram. Vieram quatro autocarros e vários carros particulares. José Rodrigues, 52 anos, veio num dos autocarros com o neto, Daniel Alexandre, dez anos. O rapaz é do FC Porto, o avô ainda respira Salgueiros. Lembra-se de como viver ao pé do estádio lhe criou um bichinho, especialmente ele, que nem ligava muito ao futebol. “Fui sócio, deixei de ser e agora sou outra vez”, admite, antes de começar a lembrar os tempos de Sá Pinto, Vinha, Pedro ou dos pontos roubados a Benfica e Sporting. “Só o FC Porto é que era tramado. Aquele Jardel! Mas uma vez fomos às Antas ganhar [2-1, João Manuel Pinto; Abílio e Luís Carlos, a 23 de Fevereiro de 1997].
De volta às portas do estádio, as filas de entrada e para comprar bilhetes continuam a não dar sinais de diminuir. O trabalho é todo de Joana e Jorge, os dois elementos destacados para as bilheteiras. Notas de cinco, dez, vinte, cinquenta e cem voam à velocidade de quem já está a fazer aquilo há mais de uma hora. “Já é muito troco feito há muito tempo”, ouve-se. Está-se por baixo de uma bancada e o jogo já começou. As claques, os assobios, os gritos de golo e os protestos seguem-se uns atrás dos outros. Não se sabe quanto está. O ritmo na bilheteira começa por fim a abrandar e Joana Soares, secretária de direcção, tem algum tempo para conversar. “Desculpe lá, mas se isto ao final do dia não der certo cortam-nos a cabeça”, começa por dizer. “Não tivemos hipótese de sair daqui desde que abrimos, há mais de uma hora e meia.” Quanto à incerteza do resultado: “Que tristeza. Ouvimos os barulhos mas nunca sabemos quanto está.”
Está 1-0, ganha o Felgueiras. E já houve golos anulados. Apesar do resultado, a alma salgueirista faz ouvir a sua voz e não perde uma oportunidade para provocar os visitados: “Saco azul, olé, olé, saco azul, olé, olé!” A festa fica maior quando o Salgueiros empata, pouco antes do intervalo. Nas bancadas há todo o tipo de gente, inclusive uma mãe que aproveita o tempo para tirar a papa Cerelac da mala para dar à filha, que aparenta ter entre três e quatro anos. O intervalo é altura também para Albertino brilhar. Hoje é suplente no Salgueiros, mas já foi titular na I Divisão durante vários anos. Jogam à bola na barra, de fora da área, e o vencedor parece indiscutível. Albertino, esse mesmo, acerta três em quatro remates. E o que falha é por muito pouco.
O antigo primodivisionário brilha ao intervalo, mas na segunda parte será outro a brilhar. É Bakero, do Felgueiras. Com um livre directo, dá a vantagem decisiva à equipa da casa. Os felgueirenses voltam a fazer a festa e neste sonho de regresso aos grandes palcos nem o apagão faltou. O jogo esteve interrompido cerca de 45 minutos e alguns não estiveram para esperar, preferiram ir para casa ver o FC Porto. Os que ficaram não viram mais golos mas viveram o sonho até ao fim. A luz resistiu, o brilho ficou mais forte e o desejo de regressar aos Nacionais ganhou peso. Pelo menos para o lado do Felgueiras. E, tal como há 16 anos, a equipa da casa ganhou. Mas por 2-1 e não por 2-0 com bis de Lewis.
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