SPORT CLUBE SALGUEIROS 08 - Reaparecido em combate
in A Bola 16/10/08, Paulo Montes e Pedro Trindade (Fotos)

Quatro anos depois, o regresso do futebol sénior
Dois mil adeptos em cada jogo
Muita gente conhecida no campo e na bancada
Objectivo é chegar aos campeonatos nacionais em três ou quatro temporadas


A fila humana na principal avenida da Senhora da Hora, àquela hora, já não surpreende quem por ali passa. O cenário virou rotina a cada sábado. No passeio que bordeja o velhinho campo do Senhora da Hora — hoje repavimentado com um tapete sintético — dois aglomerados em estado de alta ansiedade: um grupo apontado à gaiola da bilheteira, outro em direcção à única porta de acesso ao recinto, onde um funcionário, com ar de rara felicidade, gere as entradas. É o Salgueiros que ali joga!


Dentro, o ambiente quente e as bancadas praticamente preenchidas: cerca de dois mil espectadores têm presenciado o regresso do Salgueiros, agora Salgueiros 08, à competição sénior, depois de quatro anos de interregno. Números impressionantes, se atendermos a que na Liga há três clubes com menos espectores por jogo e que na Liga de Honra só o Boavista tem mais.


Alma Resistente
Com bilhetes pagos a três euros pelos não sócios, a receita quinzenal vai dando para as despesas e deixa os responsáveis relativamente satisfeitos: o Salgueiros 08 tem um registo de 420 associados e mais de mil ajudam, a cada duas semanas, às contas do aluguer do espaço onde também decorrem treinos três noites por semana. É assim a vida de um clube que renasce das cinzas e se afirma disposto a recuperar os palcos das grandes estrelas.


Outra dúvida imediatamente desfeita a cada desafio: a velha alma salgueirista resistiu à tempestade e apresenta-se pujante, radiosa, imparável, como se viu há dias, no triunfo sobre o Ramaldense, o primeiro da época, à terceira jornada, a prometer o reforço do apoio humano nas rondas que hão-de vir.

De resto, e como se impõe, ela lá está, também vibrante, sonora, a tarja da claque, a Alma Salgueirista que noutras vidas se passeara pelo país e pela Europa. Recuperada para o combate, tomou de assalto a Senhora da Hora e o bar do campo, que continua a bater recordes de vendas, e não falha as deslocações que a Direcção patrocina, como consta da passagem pelo terreno do Vilar do Pinheiro, no segundo jogo da temporada.


Renato, Cao, Fernando Almeida...
Pedro Reis, mais de 300 presenças na Liga, capitão de antanho, símbolo de uma mística arruinada pela má gestão, é o líder da nova equipa. Conseguiu convencer antigos companheiros e juntou outros futebolistas ambiciosos para um projecto que visa a ascensão aos nacionais em três anos. Os desaires nas duas primeiras jornadas não o atrapalharam: «Sabíamos que ia ser assim. E as dificuldades vão continuar. As equipas transcendem-se contra o Salgueiros...», afirma o timoneiro, habituado a tardes de glória em Vidal Pinheiro.

A estreia, frente ao Paradela, num jogo de sentido único, um penalty e um golo em contra-ataque surpreenderam os encarnados, que mostraram ser mais equipa, sobretudo na segunda parte, com o veterano Fernando Almeida, de 38 anos, a movimentar-se na linha da frente, já assinalado pelos adversários como um dos homens a abater. Na retaguarda, em posição de vigilância, outro capitão de tempos idos, o central Renato, com largo palmarés na primeira divisão, e, no miolo, um campeão do mundo de sub-20, Cao de seu nome, pronto para todo o serviço. Pedro Reis mostra-se realista: «Vamos encontrar equipas com dois autocarros a tapar a baliza!...», ironiza, sem nunca esquecer o mais importante, nesta fase: «O projecto passa pela subida até aos nacionais.» Em quatro anos, se tudo correr bem. E podendo entretanto contar com os juniores promovidos do Sport Comércio e Salgueiros.

Igor, Eládio, Jean Maciel...
Mas quem são, afinal, os artistas da equipa sénior do Salgueiros 08? Além dos conhecidos Renato, Cao, Fernando Almeida e Heitor, todos com passagens anteriores pela formação de Paranhos, Pedro Reis dispõe de muitos jovens. O número dez, Jean Maciel, tem pinta. Interessantes são também o ala Carvalho, rápido e agressivo, ou o central Eládio; tal como o ponta-de-lança de serviço: Pedro Teixeira, forte e dinâmico, ou Igor, o guarda-redes, que vai ter muito que sofrer. Ruben, formado na casa, e que até já marcou, foi o último a chegar.


Em cima (da esq. para dir.): Igor, Heitor, Monteiro, Jean, Renato, Eládio
Em baixo (da esq. para dir.): Carvalho, Varziela, Pedro Teixeira, Passos, Rochinha

Isto não tem explicação!
Algumas figuras ligadas ao clube fazem questão de se juntar à festa do regresso. Nas bancadas, entre outros, é possível ver-se o capitão dos anos 80, o médio Rui França, hoje treinador no desemprego. «Só sentindo isto, não tenho mais palavras!», diz Rui França, falando ainda em «química» e «paixão», para, emocionado, expressar «a maior felicidade ao ver o renascimento do Salgueiros». Ao seu lado, outro histórico do emblema de Paranhos: Nandinho. «Que nostalgia...», solta. «Só um clube como o Salgueiros consegue arrastar esta multidão», vai dizendo o extremo que um dia o Benfica contratou em Paranhos. E, como a notícia chegou a andar no ar, esclarece: «Não, não vou jogar nesta equipa! Neste momento estou empenhado em começar uma nova carreira, como treinador, o que é incompatível. Mas estarei sempre disponível para ajudar.»

Quem também se viu obrigado a recusar um lugar na equipa de Pedro Reis foi Vinha. Sempre muito acarinhado pelos adeptos, ainda fez «uns treinos na pré-época, a ver se dava», mas o curso de engenharia civil, à noite, impede-o de continuar a jogar. O que não o afasta do grupo: «Estou aqui com muita alegria neste reinício de clube. O Salgueiros faz falta. Marcou-me muito como jogador e como homem!» E o FC Porto? «É diferente, passei lá um ano magnífico... mas o Salgueiros deixa outro tipo de marcas!»


Que o diga Pelé, que já esteve na Senhora da Hora, outra visita especial, recém-chegado ao Dragão, mas igualmente com formação feita em Paranhos, ou Constantino, herói de um Leça também já arredado dos grandes palcos mas nem por isso esquecido «dos bons tempos vividos» com a camisola salgueirista.

Sinal de vitalidade
«Há quatro anos que andávamos atrás disto!», reacção de Vítor Barros, vice-presidente do Salgueiros 08 e elemento da comissão administrativa do velho salgueiros. «Sinto uma grande felicidade ao ver toda esta gente aqui nos nossos jogos. Este é um sinal da vitalidade do Salgueiros», insiste o dirigente, que não traça metas ambiciosas, apenas o desejo «de crescer no dia a dia». «Queremos um novo Salgueiros, um clube credível, que possa satisfazer esta massa associativa única!», conclui.

O outro Salgueiros
O outro Salgueiros, o Sport Comércio, continua a sua actividade e não vai desaparecer do mapa. Actualmente, o quase centenário clube (nascido em 1911) movimenta 250 jovens atletas no futebol de formação, espalhados por 11 equipas. Mas não só. O pólo aquático mantém-se em alta, tal como o atletismo. E o velhinho Vidal Pinheiro, onde ainda subsiste um pequeno relvado sintético, a par de outros espaços que servem de arrumação, de lavandaria e de gabinete médico, permanece palco de treinos quase todos os dias.Secretarias no bingo
Devido ao elevado custo da renda e à exiguidade do espaço, há três anos que os responsáveis abandonaram a histórica sede, à rua de Álvares Cabral, no centro da cidade. Desde então, tanto a secretaria do velho clube como a do Salgueiros 08 funcionam nas instalações do Bingo, em salas distintas, naturalmente. E, quanto ao Bingo, a exploração está assegurada até 2010.

Troféus vendidos em hasta pública
Onde estão os troféus conquistados ao longo dos anos pelos atletas salgueiristas? Todo esse espólio foi vendido em hasta pública na sequência de um pedido de penhora do treinador Vítor Manuel. O proprietário das taças é conhecido dos salgueiristas mas prefere manter o anonimato. O museu há-de ser construído.

Impedimentos de ex-atletas
Um milhão de contos (cinco milhões de euros) de dívidas ao fisco e à segurança social, 39 impedimentos instaurados por ex-jogadores e muitas dívidas negociadas e em fase de liquidação fazem a vida do contabilista do Sport Comércio e Salgueiros. A Comissão Administrativa, de que fazem parte, entre outros, Carlos Abreu e Vítor Barros, também dirigentes do Salgueiros 08, garante já ter riscado muitos credores da lista e, futuramente, está empenhada em manter essa política de bom pagador.

Adversários pedem mudança de campo
Clube arrasta tanta gente que os rivais aproveitam para aumentar a receita de bilheteira Disputadas três jornadas do Campeonato da II Divisão Distrital da AF Porto, o Salgueiros soma três pontos, resultantes da vitória alcançada no passado sábado sobre o Ramaldense, outro histórico da Invicta. Entre os adversários da turma de Paranhos não faltam, aliás, outras velhas referências do futebol distrital, como o Foz (joga no Padroense), o Cruz ou o Pasteleira. Uma das dificuldades que a turma salgueirista terá que ultrapassar são os campos de jogo, a maioria dos quais ainda pelados, mas também há o reverso da medalha: dada a moldura humana que a equipa de Paranhos arrasta, alguns opositores já solicitaram alteração de recinto.
Estão neste lote o Inter de Milheirós e o Águas Santas, que, prevendo boa receita de bilheteira, receberão a turma encarnada no estádio Vieira de Carvalho, na Maia.

O exemplo feliz da Fiorentina em Itália
O Salgueiros desapareceu e tenta agora uma nova vida, sem esquecer a velha alma e a necessidade de ser essa relação emocional a fazer a ponte entre o passado e um futuro mais risonho. Em Itália, na Fiorentina, onde Rui Costa foi príncipe, encontramos um caso de contornos muito semelhantes. Em 2001/02 o clube viola terminou o campeonato na 17.ª posição e foi despromovido à série B. Mas porque tinha dívidas a rondar os 22 milhões de euros o clube acabou por abrir falência. Um cenário que permitiu a Nuno Gomes sair livre e assinar contrato com o Benfica. Di Lívio foi o único dos mais antigos que não aproveitou para sair.
Em Agosto de 2002 os italianos renasceram, reapareceram com o nome de Fiorentina Viola e inscreveram-se na série C2 por méritos desportivos. Subiram para a série C1 e, em 2002/03, a segunda divisão italiana aumentou o número de clubes (24) da série B. Nesse lote apareceu, então, a Fiorentina, já na posse do seu nome.

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